Entrevista às vencedoras do TORNADU’23 – Especial Dia da Mulher

Foi no dia 26 de fevereiro de 2023 que Gabriela Werdan, mais conhecida no mundo dos debates como “Gabi”, e Ana Cláudia Freitas, aka Hermione, se sagraram campeãs nacionais de Debate Competitivo Universitário. Hoje, no Dia da Mulher, divulgamos uma pequena entrevista àquela que foi a primeira dupla feminina a vencer o TORNADU – Torneio Nacional de Debate Universitário.

 

Pergunta 1: O que vos levou inicialmente a juntarem-se ao mundo do debate? 

 

Gabriela: Eu sou estudante de Química e sentia falta de um meio onde pudesse expressar mais que só números e fórmulas. Quando entrei no DCU (Debate Competitivo Universitário), no meu segundo ano, já não falava em público desde o fim do ensino secundário, e quis voltar a trabalhar nisso para não ficar tão nervosa. Não esperava que fosse tão divertido e que me fosse apegar tanto às pessoas, à SdDUP – Sociedade de Debates da Universidade do Porto, e ao movimento. Acabei por aprender muito mais do que esperava e não me arrependo de nada. 

 

Ana Cláudia: Infelizmente só me juntei no meu segundo ano de licenciatura (da primeira), apesar de já me terem falado e ter despertado algum interesse. Mais tarde houve algumas pessoas a insistir, nomeadamente o Brandão, e comecei a aparecer, cada vez mais regularmente, até que a ADAUM – Associação de Debates Académicos da Universidade do Minho se tornou para mim a Casa e, ao mesmo tempo, o bebé, que eu nunca imaginava que pudesse ser.

 

Pergunta 2: Poderiam fazer um breve resumo do vosso percurso no debate universitário? 

 

Gabriela: Comecei em 2019, no Distrital do Porto. Entretanto participei de 3 TorNaDUs, e de uma dúzia de torneios (em formato online e em formato presencial), alguns brasileiros, mas a maioria portugueses. Cheguei às meias-finais em alguns deles, e estive num Top 10 Oradores. Também fui traçando o meu percurso mais associativo em paralelo, fui presidente da SdDUP, e atualmente vice-presidente do CNADU.

 

Ana Cláudia: Posso tentar (risos). Essencialmente o meu ano de iniciada foi 2017 (fui à primeira competição em dezembro de 2016, organizada pela SdDUP), e passado uns meses comecei a fazer breaks gerais. Desde então já estive em várias finais e top10s, tive algumas vitórias, organizei alguns torneios, fui presidente da ADAUM e da Comissão Executiva do CNADU, também fui Equity do CMDLP e fui várias vezes CA, em Portugal e no Brasil. 

 

Pergunta 3: Qual foi o momento mais impactante na vossa “carreira” dentro do DCU e porquê?

 

Gabriela: Tudo sobre esta vitória foi o mais impactante que poderia ser. Mesmo se não tivesse ganhado, já tinha percebido que era a única equipa feminina no break, o que se intensificou quando chegamos à final e vimos uma moção sobre feminismo. Naquele momento, sabíamos que estávamos na nossa zona de conforto, que tínhamos chance de ganhar. Ver tantos dos meus miúdos da SdDUP na final de iniciados também me encheu o coração de orgulho, por ver o trabalho de dois anos a dar frutos. No fim, a SdDUP acabou por levar quatro prémios para casa, o que eu nunca tinha visto acontecer desde que entrei, e que me deixa cheia de esperança pela nova geração. 

 

Ana Cláudia: Ter percebido que eu e a Gabi fomos a primeira dupla feminina na história de vencedores do TorNaDU impactou-me, porque realmente não tinha procurado essa informação antes. Mas mais do que isso, e talvez não seja um momento da minha carreira per se, mas um momento no DCU que presenciei, foi ver o break cheio de ADAUMers deste TorNaDU. Mesmo pensando que eu própria não tinha feito break, estava muito feliz.

 

Pergunta 4: Hermione, embora sejas conhecida há muito pelos teus êxitos no DCU, nomeadamente pelo teu título no Open da Católica (2019) e várias presenças no top10 oradores, parece que estamos a viver outra vaga de sucessos na tua caminhada. Em 2022, voltaste ao debate competitivo, desta vez pela SdDUP, e em 2023 sagraste-te campeã nacional de debate competitivo. Como te sentes relativamente a esta nova jornada e o que contribuiu para esta nova onda de êxito no debate competitivo?

 

Em 2020 eu tinha toda uma série de planos à espera de acontecer e que infelizmente foram impedidos pelo pandemia (desde CAs a torneios internacionais, adjudicar os EUDC, planos para o CNADU, etc., etc.). A isso juntaram-se algumas questões pessoais que me fizeram distanciar um pouco do movimento, mas uma das ideias que ficou desde o TorNaDU de 2020 foi começar a debater com mulheres. A falta de representação feminina em breaks e finais não é um problema de agora, e foi ainda nessa altura que surgiu a vontade de tentar contribuir para mudar isso de alguma forma. Felizmente surgiu a oportunidade e espero que não fique por aqui!

 

Pergunta 5: Gabi, enquanto pessoa cujo percurso no DCU é bastante mais curto relativamente à tua parceira, o que podes dizer sobre a tua progressão e objetivos futuros? Os mundiais e europeus serão o próximo passo? 

 

Acho que, qualquer que seja o próximo passo, definitivamente quero continuar a melhorar. Não só por mim, mas para poder ensinar o que sei à nova geração de debate que está a vir, e que quero ver conquistar mais coisas do que nós conquistamos na nossa altura. Ir aos Europeus vai depender da SdDUP, mas vou tentar ao máximo dar de volta ao movimento aquilo que ganhei por estar aqui.  

 

Pergunta 6: Diz-se que na base do sucesso estão 10 por cento de inspiração e 90 por cento de transpiração. Gostavam de explicar aos debaters de todo o país como se dedicam ao treino do debate competitivo? Que conselhos têm para os mais novos no debate?

 

Gabriela: Prática é sempre incrível e nunca posso aconselhar o suficiente, mas há uma série de outras coisas que também ajudam: eu melhorei muito desde que comecei a gravar os meus próprios discursos e a tentar apontar o maior número de falhas que consigo. Tento ver formações temáticas sobre temas com os quais não estou confortável (que são muitos, visto Química não ser uma área muito debatida) e me manter relativamente informada do que acontece no mundo, o que acho que é o meu conselho para quem está mesmo a começar. 

 

Ana Cláudia: Dominem os básicos. Ter uma boa delivery e conhecimento sobre o que vai acontecendo pelo mundo fora é muito útil, mas perceber o jogo, conhecer a parte técnica, o role fulfillment, é essencial. Precisam de saber qual é o vosso papel no debate, que contributo é esperado da vossa parte, e isso nem passa necessariamente por ver horas de formações no YouTube. Peguem em manuais, leiam sobre o assunto, sobre cada função, criem os vossos próprios templates para os discursos que costumam fazer, até se tornar automático.

 

Pergunta 7: Qual foi a inspiração para o vosso caso na final do Tornadu?

 

Ana Cláudia: Nós gostamos muito da moção e do tema. A maternidade é algo sobre o qual já refletimos, nomeadamente criei uma página de instagram para gerar alguma consciencialização sobre a violência obstetrícia em Portugal. Então sabíamos à partida que há uma violência inerente à maternidade, e que é mesmo muito difícil de a contornar, por ser algo estrutural e totalmente banalizado. E isso tornou óbvio para nós que a questão tem de ser tratada através da educação: ensinando as próximas gerações a ser melhores, a saber que a violência contra mulheres precisa de ser reconhecida e desconstruída, no sentido de perceber que não é inevitável, como muitas vezes parece. Depois foi pensar em todos os exemplos do dia a dia que podem ser transformados em momentos de aprendizagem e empoderamento, de combate aos papéis de género, à masculinidade tóxica… Transmitir através da maternidade a ideia de que feminismo é para todos e contribuir assim para a emancipação feminina.

 

Pergunta 8: No mundo do debate competitivo, há algum debater por quem tenham uma admiração especial? Com quem aprenderam e onde é que os iniciados se podem inspirar para poder replicar o vosso estilo de debate?

 

Gabriela: Há tanta gente! Acho que admiro a maior parte dos debaters que vejo, de uma forma ou de outra. Mas mais importante do que replicar estilo de debate, é perceber a mentalidade que temos de ter num momento de competição. Erramos? Não interessa, fazemos melhor para a próxima. Damos o nosso melhor em cada ronda e entramos sempre numa sala a pensar que temos toda a capacidade para ganhar, independentemente de quem lá estiver e do quão alto falam — perceber que ninguém é imbatível. Como alguém cujo maior problema é falta de confiança, demorei muito para perceber tudo isso, e foi maioritariamente com ajuda do Fred. Eu e a Hermione passamos o torneio inteiro a repetir “em condições normais, seremos campeãs; em condições anormais, também seremos campeãs” e, piadas à parte, é um ótimo lema, principalmente em situações de alta pressão. O estilo é uma coisa que se adapta e varia de pessoa para pessoa, a mentalidade é muito mais importante.

 

Ana Cláudia: Há muita gente que admiro neste nosso mundinho, mas o debater que nos tornamos é sempre uma compilação de pequenas coisas que vamos apanhando quando vemos outros discursos, formações, feedbacks. Por exemplo, toda a estrutura dos meus whips é algo muito meu, criado e adaptado de acordo com as minhas necessidades, e é isso que os iniciados devem aspirar também: perceber o que funciona para eles. 

 

Pergunta 9: A equipa Porto A vai para sempre ficar na história do debate português como a primeira equipa totalmente feminina a vencer um tornadu. Consideram que esta foi uma vitória para as mulheres do movimento? A questão de género é importante no debate competitivo?

 

Ana Cláudia: Sim, sem dúvida. É algo que já vem a ser debatido há muito tempo, e apesar de se começar a reconhecer o problema, ainda há pessoas a negar que o género seja fator na apreciação de discursos, mas as estatísticas mostram todos os anos a mesma coisa: o número de homens e mulheres a participar não é, de longe, proporcional à representação dos mesmos nas out rounds. É algo muito visível na atribuição de speaker points, também. E isto está diretamente relacionado com a vontade que já mencionei de debater com mulheres e de contribuir para ver mais duplas femininas a ter sucesso. E falo de duplas femininas porque, mesmo quando há duplas mistas, vemos demasiados exemplos de mulheres a ser praticamente ignoradas ao lado dos parceiros, quando são tão capazes ou até melhores do que eles. Sendo uma coisa boa ou má, as conversas sobre “os melhores debaters” acontecem e não se justifica que a menção de nomes femininos não seja algo recorrente.

 

Gabriela: Com certeza! Por mais que as estatísticas de diversidade no tab só mostrem uma relação de correlação, são sempre um indicativo de algo que nós já sabemos que acontece — as mulheres são subestimadas, seja porque geralmente falam menos agressivamente, seja por qualquer outro fator, mesmo que não seja consciente. Mulheres evitam fazer equipas femininas porque sabem que vão ser prejudicadas, e nós ouvimos durante o torneio todo que sempre corre mal para duas mulheres. Espero que esta primeira vitória de uma equipa feminina no TorNaDU prove que, apesar de tudo o que pode atuar contra nós, ainda assim é possível chegarmos muito longe, e quebrarmos as barreiras que achamos inquebráveis. Nenhuma barreira o é, mas não é fácil. Que isto seja uma motivação para cada mulher do movimento que já desacreditou em si própria por razões externas. 

 

Pergunta 10: Se pudessem dar um conselho a alguém que estivesse interessado em progredir no debate competitivo, o que diriam?

 

Ana Cláudia: Treinem sem medo de errar, para perceber o que vos corre melhor, e, por favor,  ouçam o feedback que vos é dado. Tentem mesmo contrariar a posição defensiva quando ela surge, usem o feedback como um momento de aprendizagem, por muito que possam discordar da call. A decisão não vai ser mudada, a altura de convencer a adjudicação já passou, sejam espertos em relação a isso. Vejam os casos das outras equipas da melhor ótica possível e comparem com essa ótica. E divirtam-se muito: debater dá-nos tanto, e quanto mais o souberem aproveitar, mais motivação terão para continuar a melhorar!

 

Gabriela: Agarrem-se àquilo que verdadeiramente vos prende aqui. Às vezes vai ser complicado, sentimos que não estamos a melhorar, que chegamos a um plateau. No meu caso, o que me prende aqui são as pessoas, os amigos que fiz, e por isso consigo continuar mesmo quando me sinto desmotivada. Muito disto é crescimento pessoal, bem mais que técnico. Enfrentar os nossos medos e falhas é mais difícil do que adquirir conhecimento, e é geralmente o nosso maior obstáculo. Portanto é ter a mente aberta: perceber como conseguimos melhorar, e por que ainda estamos aqui, é essencial.

 

 

 

 

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